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Doação de telas de Portinari para a Igreja Matriz
É inegável a grandiosidade e majestosidade que revestem a Igreja Matriz do Senhor Bom Jesus da Cana Verde, em nossa cidade e, boa parte de seu glamour advêm do valiosíssimo acervo de obras sacras assinadas pelo renomado pintor Cândido Portinari que ali se encontram instaladas.
A primeira parte do acervo é composta por dois conjuntos pictóricos, sendo um de quatro quadros, com o título "Nossa Senhora" e o outro com cinco quadros, denominado "Jesus e os apóstolos" e mais cinco quadros avulsos: "Sagrada Família", "Fuga para o Egito", "Transfiguração", "O Batismo" e "O martírio de São Sebastião". Sua apresentação ao público ocorreu no dia 14 de março de 1953, com o intuito de coincidir com as comemorações do 114º aniversário da elevação da Freguesia de Batatais à categoria de Vila e à inauguração da nova Igreja MatrizO projeto da Igreja Matriz atual foi concebido inicialmente pelo engenheiro Júlio E. Latini entre 1927 e 1928. Este permaneceu na cidade a convite do Monsenhor Joaquim Alves Ferreira, tendo entregue também o projeto do palacete do monsenhor e a reforma do Ginásio São José. Conforme Dutra (1993, v.1, p.370), Latini entregou a direção de suas obras ao engenheiro italiano Carlo Zamboni. As obras da nova matriz tiveram início em janeiro de 1928. Ao longo do tempo, o engenheiro Zamboni introduziu modificações substanciais ao projeto original, como a "substituição da cúpula achatada e modernizada de Latini, pela cúpula semi-esférica sobre um tambor vazado por vitrais..." (Dutra, v.1, p.389). Para Dutra Zamboni teria restituído os elementos clássicos do renascimento italiano modernizados por Latini, obtendo uma configuração ampla e monumental no visual externo. A significativa demora na construção se deveu aos elevados custos para feitura do empreendimento orçado à época em mil contos de réis. , ocasião em que os quadros foram abençoados pelo bispo Dom Luís Amaral Moutinho.
Tais obras são oriundas da união e extrema generosidade das famílias mecenas batataenses, que em contato direto com a Comissão de Obras da Igreja Matriz de Batatais, não mediram esforços para adornar as paredes deste novo templo religioso com obras do renomado pintor Cândido Portinari, haja vista a oportunidade de prestigiar o nome deste que foi batizado na referida Igreja.
Antes, porém, da apresentação, para preparar o espírito ainda conservador da população batataense que não estava acostumada com este tipo de arte, foram realizadas diversas entrevistas pela Rádio Difusora, durante a realização da "Semana Portinariana".
A primeira Via Sacra foi pintada por Portinari, a convite do arquiteto Oscar Niemeyer para adornar a Igreja da Pampulha, em Belo Horizonte, no entanto, tal obra apresentou traços muito futuristas, o que era incompatível com os gostos e costumes da época"Em junho [1945], Portinari vai a Belo Horizonte fazer o mural São Francisco se Despojando das Vestes, na Igreja da Pampulha. A concepção arrojada do projeto de Niemeyer e o tratamento dado ao tema sacro causam indignação. Durante 15 anos as autoridades eclesiásticas recusaram-se a consagrar a igreja" (Portinari: retrospectiva. São Paulo: Imesp/MASP, 1997, p.102)., de modo que, ao encomendarem a "Via Crucis", para a Igreja Matriz, as famílias batataenses solicitaram que o pintor modificasse sua técnica, haja vista que o então Pároco, Monsenhor Mário da Cunha Sarmento, julgava sua obra muito expressiva para a época e, ressaltava, com receio, o envolvimento de Cândido Portinari com o Partido Comunista. Destarte, o artista pensou e resolveu fazer sua segunda "Via Crucis", agora com transparência de cores e formas menos apreensivas que a primeira, pois os seus quadros instalados em 1953 já eram considerados uma afronta pelo referido PárocoAo longo dos anos 1940 e 1950, a nata da intelectualidade brasileira se envolveu com as atividades do Partido Comunista Brasileiro (PCB), escritores e intelectuais renomados como Jorge Amado, Carlos Drummond de Andrade, Álvaro Moreira, Monteiro Lobato, Caio Prado Junior, Moacir Werneck de Castro e o pintor Cândido Portinari. Após a anistia efetivada em 1945, e o retorno do PCB a legalidade após 18 anos de atuação clandestina, participa das eleições, vindo a eleger um senador Luís Carlos Prestes e 14 deputados. Portinari não foi eleito nesta ocasião, e nem em 1947 quando tenta uma vaga no Senado. Entretanto, em maio daquele ano o TSE cancela novamente o registro do PCB. O temor em relação a suas obras talvez estivesse relacionado a este envolvimento com os comunistas, que acabava repercutindo na apreciação e crítica de sua obra no auge da Guerra Fria. No entanto, Portinari, assim como Amado, eram críticos do extremo centralismo e dirigismo do partido e acabam se afastando (REIS, 2014, p.272). Num inquérito para apurar as atividades da Escolado do Povo, ligado ao PCB, Portinari acaba tendo seu nome arrolado no processo. A perseguição política o faz exilar-se voluntariamente em Montevidéu. A fase no qual pinta as telas para Matriz de Batatais corresponde provavelmente a esse afastamento e ao movimento de anistia aos presos e "cidadãos perseguidos por delito de opinião" (Portinari: retrospectiva. São Paulo: Imesp/MASP, 1997, p.105). No entanto é importante frisar que Portinari não era um pinto "sacro", nas suas diversas fases o conjunto configura uma visão modernista, que passa pelo cubismo e vai até o muralismo (vide Guerra e Paz, da ONU), com uma crítica social presente em obras nos quais inspirado em José Lins do Rego e Graciliano Ramos. Ao meu ver as telas da Matriz de Batatais expressam um pouco dessa ousadia, e fogem do padrão clássico, mas de alguma maneira se ajustam a proposta da basílica. A pergunta principal que fica no ar: porque um pintor "comunista" teria pintado obras sacras? Em Brodósqui existem várias pinturas com essa temática na sua antiga casa, talvez isto se devesse ao catolicismo popular de sua mãe e família, ao desejo sempre presente de "pintar sua terra", isto incluía é claro manifestações religiosas e prosaicas da rotina. Pode ser também, que devido a perseguição política estivesse tentando de alguma maneira uma reconciliação, quem sabe?.
As quatorze telas da Via Sacra foram apresentadas para a população ao público em 14 de março de 1955 e, Batatais tornou-se, então, a cidade com o maior conjunto do mundo, das telas sacras de Portinari.
Dentre as cláusulas que compõem o termo de doação consta que o acervo é "patrimônio comum de seu povo e, consequentemente, está sob proibição expressa de saírem dos limites municipais".
Em ocasião posterior, novamente as famílias se reuniram com o famoso pintor e, em ação conjunta, os mecenas batataenses adquiriram sete quadros, enquanto Cândido Portinari e sua esposa Dona Maria Victoria Portinari, doaram outros sete quadros, formando um conjunto pictórico de quatorze quadros, surgia assim a ideia da "Via Crucis".
*Pesquisa e redação realizadas por Lilian Carla de Oliveira e Maria Aparecida Pimenta Neves, responsáveis pelo serviço de arquivo da Câmara Municipal de Batatais, sob a supervisão do pesquisador e historiador Professor Doutor Robson Pereira Mendonça (Universidade Estadual de Goiás) .